A moda tem um histórico de exclusão e de criações de ideais a serem seguidos. Nos últimos tempos, o mundo fashion acompanha a busca por representatividade. Muito além das grandes marcas, é entre as pessoas que conhecem o impacto causado pelos padrões estéticos que ela ganha força e resistência.
Em diferentes meios, surgem empreendedoras que exploram o ambiente em que estão inseridas e dão visibilidade para quem não fazia parte do sistema da moda. Mais do que possibilidades, elas trazem expressão e promovem a diversidade e a autoestima.
É diante desse cenário que a empreendedora Natália da Rocha Barchet atua em Santa Maria. Acompanhada por uma mala rosa, a jovem de 21 anos, percorre a cidade para levar roupas até as clientes da Mescla - Moda Plus Size, marca que criou em dezembro de 2018 para atender um setor com pouca abrangência e/ou visibilidade na indústria da moda.
CRÉDITO FOTO MESCLA1: Filipe Nathan Ramos Machado
O negócio trouxe para prática questões analisadas durante um estudo sobre o segmento plus size. Em 2017, Natália, que é estudante do curso de Ciências Sociais da Universidade Federal de Santa Maria (USFM), realizou uma pesquisa que analisava o mercado plus a partir da pessoa gorda ativista. "Desde 2013, teve um boom no mercado plus size, mas as lojas ainda são virtuais, com preços muito caros, com tamanhos muito reduzidos e modelagem que não dá (para usar). Eu queria resolver isso e são problemas que lido na loja até hoje", comenta a acadêmica.
Uma das prioridades de Natália é oferecer numerações plus size maiores, por isso a marca atua com tamanhos do 48 ao 60. Contudo, ela se depara por percalços característicos na indústria de moda para corpos gordos, como encontrar roupas em tamanhos grandes , como o 60, nos fornecedores. "O esforço que eu tenho para achar uma peça como quero é um esforço muito maior do que uma pessoa que vai abrir uma loja de tamanhos tradicionais", revela.
Nos meses de inserção no segmento através da Mescla, Natália já identificou outros desafios de ser empreendedora mo meio. A forma como as pessoas enxergam os seus corpos está entre eles. Isso reflete até no conteúdo oferecido pela grife, como a preferência por roupas escuras.
CRÉDITO FOTO MESCLA2: Divulgação Mescla - Moda Plus Size
A procura por determinados tons é associada à diferentes motivos. Segundo Natália, ela ocorre pela praticidade para escolher a produção ou devido à criação de "normas" na moda: "Acho também que (o motivo de não comprarem roupas claras) é por que preto emagrece e que outras cores chamam a atenção. A gente é ensinado que não pode chamar atenção para o corpo maior".
Para o futuro, ela já deslumbra mudanças, como expandir para o vestuário plus size masculino e produzir roupas, um processo que já fez parte da Mescla. "Preciso estudar a parte técnica um pouco melhor para poder ter as ferramentas para fazer aquela peça do jeito que imaginei", pondera Natália.
A criadora da marca também já prepara um espaço, em casa, para receber as clientes. Mas salienta que não mudará o sistema de vendas por agendamento, através das redes sociais da Mescla. Assim, Natália segue levando representatividade em suas visitas, realizadas nas residências ou em outro locais e horários, que forem combinados por meio das redes sociais.
CRIOLANDO EXALTA A AFRICANIDADE ATRAVÉS DA MODA
A falta de representatividade negra no mercado de moda está em diferentes meios, até entre quem é responsável pelas marcas e nas peças produzidas na indústria fashion. Em Santa Maria, a moda que enaltece e dá visibilidade à estética negra ganha energia e inspiração através do trabalho da designer de moda, Flávia Nascimento, 23 anos.
CRÉDITO FOTO CRIOLANDO1: Letícia Sarturi
Há cinco anos, a jovem lançou a Criolando, uma marca especializada em indumentária africana e afro-brasileira. A estilista conta que a importância do empreendimento está em oferecer um trabalho onde clientes encontrem peças que os representem.
A proprietária da Criolando busca que homens e mulheres possam se reconhecer a partir da moda que consomem. Para isso, os traços dos desenhos de moda de Flávia criam e exploram identidades. "Eu gosto de conversar com o cliente e a partir do que ele deseja e do que ele fala, criar alguma peça", comenta.
Entre as matérias-primas para as criações, estão tecidos oriundos de Moçambique, Senegal, Costa do Marfim e Angola, com características como: serem feitos de fibras naturais e utilizarem formas geométricas e cores. Conforme Flávia, esses tecidos trazem uma simbologia histórica forte e trazê-los para o Sul do país permite contemplar a estética negra, assim como diferenciá-la.
A empreendedora ainda aborda sobre a resistência diante desses materiais. "Muita gente acha que os tecidos africanos talvez sejam exuberantes demais para usar no dia a dia. Só que, historicamente, toda a amplitude da população do continente africano se veste cotidianamente com os tecidos", comenta a jovem, que também aponta ser possível resignificar o olhar e trazê-los para o cotidiano. "Faz parte da nossa estética, assim como o cabelo, como a trança, o dread", pontua a designer.
CRÉDITO FOTO CRIOLANDO2: Divulgação Criolando
A marca produz peças conceituais, comerciais e construção de figurinos. Com a sensibilidade de quem também desenha e costura beleza e ancestralidade, Flávia cria, vestidos, casacos, batas, bolsas, mochilas e axós, que são indumentárias dos orixás.
A temática religiosa ainda foi abordada no Trabalho Final de Graduação (TFG) no curso de Design de Moda da Universidade Franciscana (UFN), concluído este ano. Flávia pesquisou a influência das religiões de matriz africana na construção da identidade da população brasileira, que foi desenvolvida a partir de referências estéticas de alguns orixás. O resultado foi uma coleção conceitual com cunho comercial. "Foi uma coleção urbana com elementos que quem visualizava conseguia identificar de qual orixá poderia se tratar", comenta a proprietária da marca.
A grife conta com produção em baixa escala e também trabalha com pessoas com diferentes tipos de corpos. Para conhecer mais o trabalho da Criolando basta acessar o perfil no Instagram ou no Facebook.